quinta-feira, 8 de julho de 2010

IURD de Cabo Verde Mercantilismo da Fé

Há tempos, acidentalmente, tive que entrar no templo da Igreja Universal do Reino de Deus (“T.M.”), situado na zona de Paiol (cidade da Praia), no final de uma vigília, e pude presenciar uma cena que me deixou atónito e enfurecido. Ora!, um dos pastores encontrava-se empoleirado numa cadeira e os fiéis estavam sobre o altar em estado cataléptico. Aquele dirigia-se a estes, nos seguintes termos: “ irmãos, eis chegado o momento de materializarmos a fé: quem dá cinquenta mil escudos?! Deus vai retribuir mais!!!” – como ninguém reagia, ele acusava-os de estar apegados a bens materiais, mas prosseguiu solicitando quantias menores de forma decrescente e, quando chegou ao número trinta e três, disse: “ trinta e três mil, quem dá? Trinta e três é a idade de Cristo, quem dá?!” Nesse lapso de tempo, aparece um fiel que levanta o dedo, claramente sem convicção, e o pastor muito rapidamente dá um envelope a um obreiro e empurra-o pelas costas para ir ao encontro do homem que haveria de lhe entregar os trinta e três mil escudos. Posto isto, o evangélico continua a sua campanha sempre decrescendo as quantias até chegar aos três mil escudos e disse categoricamente que seria o mínimo que aceitaria.

Enquanto decorria este episódio macabro, que acabo de descrever, eu me encontrava ensimesmado, a pensar: isto é uma exploração sem pejo e sem dó, parece que esse senhor não deu conta ainda da crise económica pela qual o mundo está a passar.

É caso para perguntar: o que terá o dinheiro a ver com a fé? Deus precisa de dinheiro? Tiramos benefícios em função do dinheiro que disponibilizamos a Deus? Se assim fosse, quanto mais rico fosse um indivíduo, melhores e maiores benefícios tiraria de Deus, desde que lhe disponibilizasse o dinheiro. Com efeito, podemos concluir que quanto mais paupérrimo fosse um outro indivíduo mais marginalizado ficaria, em relação aos benefícios que Deus concede; pois, como haveria ele de comprovar a sua fé? É mesmo incrível a forma como essa igreja consegue fazer lavagem cerebral aos seus seguidores, transformando-os em seres desfasados de qualquer poder racional. A religião, quando encarada com fanatismo, é uma droga autêntica, pois leva as pessoas ao estado de êxtase. Aliás, como já se disse “ a religião é o ópio do povo”.

A percepção com que fiquei dessa religião (pois tive que voltar ali mais três vezes) é a de que eles falam mais do demónio do que de Deus, transformando cada sessão num autêntico espectáculo de expulsão de “encosto”. Atribuem todos os males, de que uma pessoa possa padecer, à obra do demónio e à bruxaria e propõem dar solução aos mesmos. Nesta lógica, já não precisamos de médicos, nem tão-pouco de hospitais para resolvermos os nossos problemas de saúde. Basta, tão-somente, irmos ao “T.M.”, que tudo se resolve.

Uma religião não devia ser concebida para se tirar contrapartidas; pois Deus é amor, é o caminho da verdade. E a verdade liberta-nos. Não será Deus merecedor do nosso amor, sem que recebamos nada em troca? Frequentar uma igreja com o intuito de obter algum benefício, não é de todo correcto. O que nos dignifica nesta vida é o amor ao próximo, a compaixão pelos que sofrem e a mão estendida para acolher os nossos irmãos.

Todavia, quando um indivíduo encara a religião com fanatismo, ela torna-se perniciosa para si próprio e, provavelmente, para aqueles que o rodeiam. Quantas barbaridades já foram cometidas em nome da religião: desde a guerra santa às bombas suicidas usadas, na modernidade, com fins políticos.

A forma como, no “T.M.”, os fiéis são submetidos a sacrifícios financeiros (entre outros) é pura demagogia daqueles que se aproveitam da crença dos seus fiéis para se enriquecerem de uma forma sui generis. A veracidade deste facto está à vista de todos. Basta ver a pomposidade que essa igreja ostenta; e, além de mais, é proprietária de uma das maiores cadeias de televisão do mundo. Comportam-se como se fossem uma empresa e publicitam constantemente os seus produtos: OS MILAGRES (pode falar-se numa autêntica banalização do milagres). Sendo assim, deviam ser objecto de tributação por parte do Estado à semelhança das demais empresas.

O seu líder, Edir Macedo, construiu recentemente uma mansão, no valor de seis milhões de reais, ocupando uma área de dois mil metros quadrados, comportando quatro andares, com trinta e cinco cómodos, incluindo dezoito suites. Um verdadeiro paraíso na terra, segundo os comentários de alguns jornalistas brasileiros. Quem aceder às fotos, da referida mansão, exibidas na internet, ficará estupefacto perante tamanha exuberância. Tudo isto para um indivíduo que se diz ser homem de Deus, quando temos milhões de pessoas que sofrem no mundo por falta de tudo. Que dizer de um líder religioso que ostenta tanta luxúria à sua volta? Não descobriu ainda que o que importa é a funcionalidade das coisas e não o supérfluo.

Essa igreja é dominada pelo materialismo, que determina as suas acções, fazendo com que sejam criativos e cheios de superstições, o que se traduz no uso de pequenas cruzes de cores variadas, sal, fitas, óleo, etc., por forma a caírem no agrado dos seus seguidores e, assim, se tormarem mais susceptíveis de serem explorados.

Ainda, para corroborar quão essa igreja é mercenária, transcrevo o testemunho de um ex-pastor, num fórum online que decorreu há tempos, no Brasil, subordinado ao tema “Igreja Universal do Reino de Deus e as suas Mentiras”: “Eu fui pastor e obreiro e saí por conta própria, é que a desilusão é muito grande, aqueles que acreditam em Deus, e vão pregar a favor de Deus, são obrigados a cumprir metas financeiras! Quanto mais eu conseguir dinheiro mais eu sou o melhor para os bispos”.

Não fosse essa obsessão pelo materialismo, o “T.M.” seria uma óptima igreja, dado ao discurso optimista com que se dirigem aos seus fiéis, “pois o pessimismo não constrói coisa alguma nem modifica para melhor”, mas é penoso que têm como objectivo principal extorquir o dinheiro dos seus fiéis.

Importa salientar, porém, que não pretendo, com este artigo, fazer com que as pessoas se deixem de frequentar o “T.M”., mas sim que o façam com prudência e inteligência; pois se Deus nos deu a inteligência é para ser utilizada em defesa dos nossos interesses, do bem comum e não nos deixarmos ser enganados. Só a frequência à igreja, não nos faz vencer. Quem vence na vida não é o religioso, o bonito ou o inteligente, mas sim é aquele que não perde a oportunidade que a vida/Deus lhe dá. Ninguém se pode gabar de viver sem problemas. Somos todos finitos e falíveis. Daí que viver implica resolver problemas e para tal temos que estar habilitados (entenda-se este termo no seu lato sentido).

Por: Daniel Semedo

http://liberal.sapo.cv/noticia.asp?idEdicao=64&id=28935&idSeccao=543&Action=noticia

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